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Eu parti com o peito cheio de perguntas
e um pedaço do meu coração guardado num cofre sem chave.
Parti porque o silêncio não me bastava mais.
Porque queria ver o rosto do homem
que me deu metade do meu sangue.
Atravessei cidades, estradas,
folheei certidões, li nomes que pareciam ecos.
Procurei pistas em letras firmes,
assinaturas deixadas como rastros de quem existiu.
Fui até o túmulo sem nome,
levei um girassol,
e disse ao vento que estava tudo perdoado.
Segui adiante, guiada por nomes ditos com esperança:
Lurdinha. Nilza. Vagner.
E cada porta aberta foi um pequeno milagre,
cada café servido foi colo,
cada abraço foi cura.
Descobri que meu pai tinha dez irmãos.
Que minha avó Irene era boa.
Que o filho da Dona Nilza faz café forte e generoso,
e que, às vezes, Deus veste pessoas simples
pra costurar a nossa história de volta.
Vi rostos em fotografias amarelas,
rostos que carregam traços meus,
e chorei sem chorar, anestesiada,
porque finalmente entendi:
Eu tenho história.
Eu tenho lugar.
Meu tio Vagner me abraçou
e disse que nunca mais me largaria.
E naquele abraço coube toda a infância sem pai,
todo o medo de não pertencer,
toda a menina que fui —
e a mulher que sou.
Na rodoviária, vieram as fotos.
O rosto do meu pai surgiu na tela do celular,
antigo, mas vivo, sorrindo.
E ali, pela primeira vez,
me vi nos olhos de alguém.
Tenho irmãos que talvez não saibam ainda,
mas o sangue já sabe.
A vida me trouxe de volta o que era meu:
o direito de existir inteira.
Hoje sei:
não sou filha de um homem invisível.
Sou filha do Daniel.
Sou sobrinha do Vagner.
Sou neta da Irene.
Sou pedaço de muitas histórias.
E continuo, passo a passo,
a escrever o resto do meu próprio nome.
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